Meu pai tinha coração de poeta, muito embora eu não tenha lido um verso, se quer, de sua autoria. Ele era um cara comum, mas eu sei que enxergava a vida de uma perspectiva diferente: deliciosamente simples.
Ele gostava de poesia, mas não falava pra todo mundo, afinal, quando ele era jovem homem não podia gostar de poesia, ele escondia.
Então, quando eu tinha por volta de uns 13 anos, eu entrei em um concurso de poesia do colégio e ele, quando soube, me chamou pra conversar no seu quarto. Mas em nenhum momento passou pela minha cabeça que ele poderia me reprovar.
Ele perguntou porque eu tinha entrado no concurso e eu respondi que gostava de poesia. Ele virou rapidamente para o armário do quarto, abriu com chave a segunda porta que estava trancada e começou a mexer em um enorme cofre verde de ferro que estava dentro, falando: “Eu também gosto de poesia filho, mas tem uma que é a mais bonita”.
Acertou a combinação do segredo e abriu o cofre. Futucou um monte de papéis amarelados no fundo de um compartimento e retirou uma folha carcomida e dobrada tantas vezes que tinha o tamanho de uma moedinha.
Eu me lembro dele desdobrando aquela folha com cuidado, batendo nela pra tirar a poeira e começando a ler. Me lembro do título: TÉDIO.
Imagine a poesia mais cafona do mundo, ela contava aquela história clichê do palhaço que fazia rir, mas que por dentro engolia em seco uma alma triste.
E eu me lembro dele lendo aqueles versos, declamando, gesticulando, sorrindo e me espiando pra ver se eu estava gostando. Ele queria que eu gostasse e queria fazer eu gostar.
Quando penso sobre este caso eu acho surpreendente como as pessoas conseguem esconder tão fundo seus sentimentos. O palhaço da poesia escondia a tristeza em uma maquiagem alegre, meu pai tentava esconder seu coração de poeta trancado em um cofre na segunda porta do armário do seu quarto.
Mas eu acredito que o mundo hoje está um pouquinho melhor do que antes, eu nunca precisei esconder que gosto de poesia, mesmo que muitas vezes eu seja “obrigado” (pelas conjunturas sociais) a esconder que estou triste. Quem nunca?
Mas meu pai nunca me enganou.
Eu sabia que ele tinha coração de poeta. Eu sempre soube.
Ele me ajudou naquele concurso de poesia e me inspirou a enxergar a vida pelos seus olhos. Exercendo a sua função paterna me proporcionou muitos momentos poéticos, como aquele dia que ele declamou os versos sobre o palhaço triste.
Ele pode nunca ter traduzido estes momentos em palavras escritas, mas valorizava as coisas simples de uma forma especial, assim como ele valorizava aquela simplória poesia, de uma forma deliciosamente simples.
14/06/2019 (Crônica n° 01)
Diogo Braga Crônicas
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