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Foto do escritorDiogo Braga Crônicas

A GAITA E O GOSTO DE AÇÚCAR NOS LÁBIOS (Crônica n° 05)

Atualizado: 17 de abr. de 2021

“Quando você aprender a tocar gaita, vai sentir um gosto doce nos lábios.” Disse o meu pai depois de eu tentar tocar uma música na gaita.


Eu ri daquilo.


“Sentiu? Sentiu?” Perguntava ele me olhando com olhos ansiosos depois de cada tentativa desastrosa.


Meu pai era músico frustrado e sempre quis que eu aprendesse a tocar, porque meu avô, seu pai, tinha sido integrante de uma banda de gaitas. Dizia que eu TINHA QUE APRENDER A TOCAR, porque ele tinha feito uma promessa irrecusável para o meu avô o assegurando que aprenderia e que ele aprendera somente 1 ou 2 músicas, mas que não era o suficiente.


Então, ele me disse que aquela responsabilidade era minha e que eu também não podia recusar.


Me lembro muito bem deste dia. Eu era criança lá pelos meus 12, 13 anos, meu pai pegou da minha mão aquela gaita toda carcomida que tinha sido do meu avô, colocou na boca e começou a emitir os sons mais descompassados que eu já ouvi na vida.


Não me lembro qual era a música, somente lembro que o som era HORRÍVEL. Ele assoprava vários buracos ao mesmo tempo, aspirava e mudava de nota aparentemente de forma aleatória.


No entanto, por mais que o som fosse horrível, meu pai encenava todos os trejeitos de um tocador de gaita profissional. Ao acabar de tocar a música meu pai passou a língua nos lábios, estendeu o instrumento para mim e falou: “você vai saber quando estiver tocando direito quando sentir um gosto doce de açúcar na boca.”


Ri de novo.


“É verdade, meu avô que me ensinou e um dia você vai aprender também.” Dizia ele. E eu ria toda vez que ele falava aquilo. Pra mim era inconcebível, onde já se viu sentir gosto doce em gaita?


Mas eu virei por um bom tempo o chato da gaita. Andava com ela pra cima e pra baixo emitindo sons desarranjados. Enfim... igual a meu pai, eu não tenho nenhuma vocação para música... então, nunca consegui tocar.


Mas o que mais me intriga é que eu nunca consegui saber se o meu pai, de fato, acreditava que os lábios ficavam doces ao tocar a gaita de forma correta. Será que ele me contou desta forma para manter a fantasia da coisa?


Até que um dia eu aprendi. Aprendi que o que o meu pai estava realmente me ensinando é que a vida vivida em sua simplicidade pode ter gosto de açúcar nos lábios.


Aprendi que nem sempre o que achamos ser mentira é e que nem sempre o que parece ser mentira devemos encarar como tal.


Aprendi que uma das belezas da vida é aceitar a ingenuidade, acreditar na fantasia. E eu não estou falando que a alienação é de todo benéfica, mas por vezes nós temos uma postura muito determinista de querer classificar as coisas em verdade ou mentira.


Você já viu ou se lembra da felicidade de uma criança ao perceber que o Papai Noel deixou um presente para ela enquanto dormia?


Por vezes é irrelevante se algo é verdade ou mentira. E é por estas e por outras que eu hoje quando toco gaita sinto um doce na boca.


Pode acreditar. Você pode sentir também. É só tocar da maneira certa e quando você estiver começando a aprender vai sentir.


Mas também só sinto quando toco 1 ou 2 duas músicas, pois foi só isto que eu consegui aprender. Sou também um músico frustrado e o que eu aprendi não é o suficiente. Hoje eu já não me esforço mais tanto assim para aprender. Esta responsabilidade não é mais minha. E eu te digo que existem promessas irrecusáveis na vida, então, toma esta gaita aqui. Filha. Quando tocar e sentir um gosto doce nos lábios me avise.

03/10/2019 (Crônica n° 05)

Diogo Braga Crônicas



Crônicas em podcast, Spotify (Braga Crônicas), Instagram (@DiogoBragaCronicas) e Youtube (Braga Crônicas).



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